Em 05 de junho de 1921, na cidade de Curvelo, em Minas Gerais, nasceu um dos maiores nomes da moda nacional e da luta pelos Direitos Humanos no país: Zuleika de Souza Netto, a grande estilista brasileira Zuzu Angel.
Zuzu passou os anos iniciais de sua vida em Belo Horizonte e em Salvador, onde absorveu inúmeras referências da cultura popular que futuramente seriam englobadas em suas criações. Em 1939, mudou-se para a cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro, onde permaneceu até sua morte.
Casou-se em 1943, aos 22 anos, com o americano Norman Angel Jones e passou a adotar o nome de Zuleika Angel Jones. O casal teve três filhos: Stuart, Ana Cristina e Hildegard. O casal viveu em Ipanema até 1960, quando o casamento chega ao fim.
O nascimento de uma moda (autenticamente) brasileira
Em um contexto em que a moda brasileira era regida por inspirações, tendências e parâmetros internacionais, além de alinhar-se a tecidos e modelos já padronizados, Zuzu Angel utilizou sua genialidade logo na primeira inovação que propôs: saias feitas com pano de colchão.
A inovação não surpreendia apenas pelos preços acessíveis; os tecidos traziam cores (especialmente verde, rosa e bege) e estampas pouquíssimas utilizadas até então. Da inspiração nasceu a Zuzu Saias, confecção com o ateliê na própria casa de Zuzu, em Ipanema.
Graças aos ciclos sociais em que frequentava, conheceu Sarah Kubitschek, esposa de Juscelino Kubitschek e fundadora da obra as Pioneiras Sociais, que objetivava costurar roupas para crianças carentes e que contou com o apoio de Zuzu.
Contatos possibilitaram que seus desfiles fossem frequentados pela alta sociedade carioca e a estilista em ascensão participou como figurinista de filmes e de peças teatrais nacionais. Sua inspiração estava nas referências brasileiras: cores, rendas, chita, madeira, contas de bambu e estampas com temas nacionais, que, até então, não eram considerados elementos elegantes.
Zuzu Angel foi a primeira marca brasileira a ter repercussão internacional. Sua coleção, que apresentou baianas e cangaceiras em versão alta costura, foi exposta na Bergdorf Goodman na Quinta Avenida, em Nova Iorque. A estilista declarou ao New York Times: “No meu país, eles acham que moda é frivolidade, futilidade. Eu tento lhes dizer que moda é comunicação.”
Graças a imensa e positiva recepção de suas coleções, Zuzu Angel torna-se um talento internacional. Ela não tinha somente o domínio técnico: sua criatividade e autenticidade foram os elementos primordiais que lançaram a moda brasileira ao cenário internacional.
Ronaldo Fraga, também estilista brasileiro, afirma: “Eu, sem sombra de dúvidas, a coloco como a estilista mais original. Ou talvez a primeira estilista a falar de temas hoje ainda caros no Brasil. A primeira estilista a falar em legitimidade na moda brasileira.”
O desaparecimento e a morte de Stuart Angel
Stuart Edgar Angel Jones (1946-1971), filho primogênito de Zuzu e Norman Angel, foi estudante de Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante da luta armada contra a Ditadura Militar (1964-1985). No final dos anos 60, ligou-se ao Movimento Revolucionário de 8 de outubro – o conhecido MR-8 – e, como forma de preservação e segurança para sua família, passou a adotar o codinome Paulo.
Entretanto, em 1971, o jovem de 25 anos foi capturado no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Stuart foi preso, torturado e assassinado no Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA), localizado na Base Aérea do Galeão.
Zuzu Angel recebe em 1972 uma carta-testemunho de Alex Polari, ex-companheiro de militância que foi preso junto com Stuart. No conteúdo da carta, a mãe, que até o momento pensava que o filho continuava desaparecido, toma conhecimento sobre sua morte. A estilista brasileira inicia, então, uma incessante caçada para descobrir as circunstâncias do desaparecimento do filho, além do reconhecimento oficial de sua morte pelos agentes da Ditadura Militar e da questão crucial sobre onde estaria seu corpo.
Em 2013, durante seu depoimento na Comissão Nacional da Verdade – organizada para apurar as violações dos Direitos Humanos cometidas entre os anos de 1946 e 1988 no Brasil -, Alex Polari reitera cada palavra escrita na carta de 23 de maio de 1972 endereçada a Zuzu Angel.
Moda Política
Em 1972, ciente da morte de Stuart, Zuzu Angel organizou um desfile em protesto ao ocorrido. O evento aconteceu na casa do cônsul brasileiro em Nova Iorque. A estilista teve uma astuta estratégia: diante do decreto nacional que proibia que qualquer brasileiro deteriorasse a imagem do Brasil no exterior, o desfile ocorrendo na casa do cônsul também estava em território nacional brasileiro.
As modelos selecionadas usavam figurinos bordados com fuzis, tanques e canhões, além de anjos amordaçados e meninos aprisionados; a própria estilista estava com um visual impactante: totalmente vestida de preto, com um cinto de cem crucifixos e segurando um anjo de porcelana.
Mesmo ciente das perseguições e ameaças que sofria de agentes ligados à Ditadura Militar, Zuzu Angel passou a denunciar à imprensa e aos órgãos internacionais as circunstâncias da morte de seu filho. Na vinda do secretário do governo americano, Henry Kissinger, ao Brasil, ela entregou pessoalmente uma carta que exigia uma providência legal sobre a morte de Stuart, uma vez que ele era um cidadão americano.
Zuzu Angel em seu ateliê de costura. Foto: Acervo Instituto Zuzu Angel
Reconhecimento de Zuzu Angel
Em 14 de abril de 1976, Zuzu Angel sofre um acidente de carro na Gávea, na saída do túnel Dois Irmãos em São Conrado e falece no local. Apenas em julho de 2020, a Justiça Brasileira reconheceu as circunstâncias do acidente e que Zuzu Angel foi morta por agentes da Ditadura e, em sua causa mortis no obituário, passou a constar “morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro”.
A incessante busca pela verdade e pelo reconhecimento da morte de seu filho Stuart, transformaram Zuzu Angel em um símbolo de resistência e de denúncia ante aos crimes cometidos pela Ditadura Militar (1964-1985). Além disso, a estilista brasileira é, possivelmente, uma das ativistas pioneiras sobre os Direitos Humanos no Brasil.
Zuzu Angel não somente estabeleceu os parâmetros de uma moda verdadeiramente nacional como elevou a condição brasileira aos ambientes internacionais. A estilista simboliza a moda e a nacionalidade, a memória e a luta pela liberdade.
Vale a pena conferir:
O Instituto Zuzu Angel (IZA)disponibiliza grande parte do acervo iconográfico da estilista, especialmente seus croquis. É possível encontrar documentos, cartas e bilhetes pessoais, além de inúmeras fotos.
No centenário de Zuzu Angel, há quase três anos completos, o Itaú Cultural fez uma publicação de homenagem à estilista, assim como a BBC Brasil – ambos destacam sua singular biografia, seu pioneirismo na moda nacional e os maiores atos de sua carreira.
Astrid Fontenelle, em seu canal no Youtube, dedica o décimo nono vídeo da série “Mulheres Admiráveis” a história de Zuzu Angel. Fornecendo detalhes da vida pessoal e profissional, o vídeo de, aproximadamente, 10 minutos faz um tributo à grande estilista brasileira.
Há dez anos, o canal no Youtube da TV Cultura disponibilizou os arquivos visuais do desfile-protesto de 1971 feito por Zuzu Angel. Fragmentos do evento foram reunidos em um único vídeo.
Zuzu Angel. Foto: Acervo Instituto Zuzu Angel
Para estrear a coluna Biografias no blog, a primeira publicação é dedicada à brilhante estilista brasileira, Zuzu Angel. Em nome da Moda, da Memória e da Liberdade este texto é um tributo à Zuzu e à toda sua história.
Inspiradamente,
Julia.