UM ESPAÇO PARA O LIVRE PENSAR

Categoria: Literatura

Quem são os curadores da Bienal do Livro 2024?

Neste ano, a Bienal Internacional do Livro de São Paulo realiza sua 27ª edição em setembro, entre os dias 06 e 15, no Distrito Anhembi – local de grandes eventos situado em Santana, na zona norte da cidade metropolitana, que já sediou anteriormente outras edições. O evento será realizado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pela empresa RX.

A última edição da Bienal ocorreu em julho de 2022, no espaço Expo Center Norte, e contou com mais de 660 mil visitantes, que puderam apreciar as 1.500 horas de programação e prestigiar os 330 autores nacionais e internacionais que lá expuseram suas obras.

Há uma semana, no dia 24, a imprensa responsável pelo evento divulgou os nove curadores designados para os espaços culturais que estarão presentes na edição deste ano: Leonardo Neto, Clivia Ramiro, Diana Passy, Lucinda Marques, Elisabete da Cruz, André Boccato, Solange Petrosino, Tiago Marchesano e Cassia Carrenho. 

Leonardo Neto e Clivia Ramiro, curadores do Salão de Ideias

O espaço Salão das Ideias propõe-se a trazer discussões e reflexões atuais dotadas de relevância social e cultural. A área, nesta edição, convida os participantes a conversas plurais e abrangentes e terá a liderança de dois curadores: Leonardo Neto, pela CBL, e Clivia Ramiro pelo Sesc SP, parceria do evento. Neto declara: “Estar no time de curadores, para mim, é um privilégio muito grande. Entre os principais desafios do Salão de Ideias está a busca por temas importantes da atualidade, mas que tenham uma certa perenidade. Temos a preocupação de que todas as vozes possam ser ouvidas, de todas as matizes, de todas as cores, de todos os pensamentos estejam reunidos no Espaço para fazer algo absolutamente plural!”

Diana Passy, curadora da Arena Cultural 

A Arena Cultural é espaço da Bienal reservado a bate-papos e palestras que proporcionam um contato direto dos visitantes com autores nacionais e internacionais convidados. Diana Passy, neste ano, será mais uma vez curadora desta área. Profissional do mercado editorial, especializada em literatura comercial e young adult (gênero ‘jovem adulto’), a curadora afirma que: “Minha parte favorita de fazer a programação da Arena Cultural é presenciar o momento em que o autor se conecta com seus leitores, e os leitores se conectam uns com os outros. A proposta da Arena Cultural é reflexo de todos os leitores que circulam pelos corredores da Bienal. Para este ano, pretendo aprofundar esse olhar ainda mais, e tentar trazer de volta à Bienal pessoas que perderam o hábito de visitá-la, ou que acreditam que o evento não é para elas”.

Lucinda Marques, curadora do Espaço Cordel e Repente 

Lucinda Marques foi curadora em edições anteriores da Bienal, já tendo uma relação longínqua com o evento; é a representante da Câmara Cearense do Livro (CCL) desta Bienal. Neste ano, está sob sua responsabilidade o Espaço Cordel e Repente, que contará com uma extensa programação que valoriza a literatura de cordel. Debates, apresentações, palestras e contação de histórias estão incluídos. A curadora declara: “Este será o quarto ano de curadoria. Teremos um espaço bastante dinâmico, com muita música, poesia, cordelistas, repentistas, autores, ilustradores, editoras diversas e de vários estados do Nordeste”

Elisabete da Cruz, curadora do Espaço Infâncias 

O antigo Espaço infantil, nesta 27ª edição, transforma-se em Espaço Infâncias. A área trará diversas atividades educativas aos pequenos leitores, incluindo contação de histórias, oficinas temáticas e atividades de pouca duração. A imprensa da Bienal garante, em declaração postada no site oficial, que haverá um repertório específico para os públicos de todas as faixas etárias, garantido abrangência inclusive a agendas familiares. 

Educadora, escritora e produtora executiva na área de projetos culturais, Elisabete é referência na área educacional e declara: “É uma responsabilidade e ao mesmo tempo uma honra poder fazer parte de um time de curadores de excelência, onde você tem pessoas das mais diversas modalidades dentro da literatura e cuidar da literatura para a infância é um privilégio. A mudança do nome foi uma condição muito importante para a gente colocar a infância no lugar certo dentro de uma Bienal”

André Boccato, curador do Espaço Cozinhando com Palavras

O paulistano André Boccato é o curador com mais tempo de casa e será novamente responsável pelo espaço Cozinhando com Palavras. Com sua carreira iniciada na arquitetura e no jornalismo, Boccato migrou para a gastronomia posteriormente. Certamente, o conhecimento nestas três áreas o transforma em um profissional multifacetado e, definitivamente, criativo.

Boccato afirma a imprensa da Bienal: “A Bienal do Livro é uma grande festa da cultura, do congraçamento, de alegria e, como sabemos, alegria se põe à mesa. A festa tem que ter sempre a comida, a gastronomia, que é algo que perpassa por toda a nossa cultura, por toda a humanidade. Talvez, por isso, a gastronomia seja sempre lembrada e valorizada nas Bienais do Livro e ela faz a conexão. Temos como desafio abrigar uma programação tão grande, com mais de 50 eventos, sendo a maior do ponto de vista de programação”

Solange Petrosino, curadora do Espaço Educação 

A 27ª edição deste ano conta com a estreia de um espaço que visará promover discussões e conversas de temas socialmente palpitantes, como educação ambiental, reforma curricular, políticas educacionais, BNCC, entre tantos outros. A curadora, Solange Petrosino, é, entre tantos outros talentos, uma palestrante especializada em educação que conta com mais de 20 anos de experiência como educadora. 

Solange argumenta: “Não se fala em formação de leitores e desenvolvimento da capacidade leitora sem falar em educação, sem cuidar de educadores, dos gestores, dos pais que também são educadores, da comunidade como um todo. Então, o Espaço Educação pretende ser esse espaço, que contemple diferentes interlocutores, que todos são importantíssimos nesse conceito de educação voltada para a literatura, para o leitor e para a ampliação dos saberes”

Tiago Marchesano, curador do BiblioSesc 

O espaço BiblioSesc contará com a Praça da Palavra e a Praça de Histórias, um local destinado a valorização dos livros e incentivo ao hábito da leitura. Tiago Marchesano, representante do Sesc SP, parceiro do evento, é o curador responsável por essa área. 

Poeta, artista plástico e produtor cultural, Tiago tem experiência em trabalhos educacionais e culturais; desde 2017 é animador cultural do Sesc SP. O curador declara:Em 2024, contribuiremos com uma parcela da programação do Salão de Ideias e com diversas atividades no estande das Edições Sesc, além da Praça da Palavra e da Praça de Histórias, com os trânsitos biblioteca do programa BiblioSesc e ações para todos os públicos. Serão bate-papos, contações de histórias e apresentações artísticas, entre outros formatos, fomentando reflexões acerca de questões fundamentais para entendermos nossas presentes e vislumbrarmos perspectivas coletivamente, e, sobretudo, estimular a prática da leitura e a formação de leitores e leitores”

Cassia Carrenho, curadora do Papo de Mercado 

O Espaço da Bienal Papo de Mercado surge com a proposta de promover uma conversa mercadológica entre os participantes convidados e os visitantes do evento, possibilitando uma troca de ideias entre profissionais do ramo editorial e os amantes de literatura. Cássia Carrenho é a curadora responsável pelo segmento nesta Bienal. Sendo Diretora de comunicação e relacionamento na Faculdade LabPub e também vice-reitora da instituição, ela possui vasta experiência na área editorial. 

Cássia analisa: “Já trabalhei no mercado editorial e fiz a curaria do ano passado e esse ano do encontro de editores, livreiros, distribuidores e gráficos, também da CBL. A Bienal do Livro traz um outro público do setor, que são autores, tradutores, revisores, e que nem sempre têm espaços para ampliar diálogos. O grande desafio é criar uma programação que seja atraente para esses dois públicos e debater ideias sobre as leis que estão em pauta, as grandes discussões e temas de interesse, como inteligência artificial”

Foto: Reprodução Câmara Brasileira do Livro (CBL)

O que esperar da Bienal deste ano?

A Bienal é um marco do mercado editorial. Números de vendas, lançamentos exclusivos, promoções e até mesmo brindes distribuídos fomentam e impulsionam o mercado editorial. 

Entretanto, não considero apenas o lugar de consumo. Há tempos, cada nova edição está consolidando uma nova perspectiva: o laço social e cultural criado pela Literatura. Este glorioso novo hábito é o resultado do trabalho conjunto dos idealizadores do evento, dos curadores, das editoras participantes e, principalmente, do público. 

A Bienal tornou-se um lugar de encontro e, especialmente, de história. Estaremos todos reunidos em nome da Literatura e razão mais nobre, não há, certo? 

Diante do extenso e plural grupo de curadores selecionados para a 27ª edição, certamente encontraremos um evento multidiversificado para todos os públicos amantes de Literatura. 

Vale a pena conferir: 

No dia 24 de abril, o site oficinal da Bienal de São Paulo anunciou os curadores selecionados neste ano. Além da apresentação nos nomes e das áreas encarregadas, a publicação também fornece declarações pessoais de cada um deles. 

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Assim como há dois anos, a Bienal é um evento ansiosamente aguardado. Neste ano, a 27ª edição ocorrerá somente em setembro, entre os dias 06 e 15. As expectativas estão crescendo, especialmente depois da divulgação dos curadores e dos espaços que estarão presentes este ano. Vamos aguardar por maiores detalhes! Alô, Bienal! Já, já estaremos aí!

Atenciosamente, 
Julia.

Nonsense – O Surrealismo da Literatura

Nonsense (def.): a expressão de origem inglesa nonsense foi criada para denotar algo sem sentido, nexo, lógica ou coerência. 

Humor Nonsense

A Literatura tem a formidável capacidade de instigar o imaginário – seja o do leitor, como comumente ocorre, ou mesmo do próprio autor. No último caso, entretanto, há a possibilidade de um ápice para o uso da imaginação: um estilo de criação de escrita que não somente inspira-se no imaginário, mas sim, em sua essência, concentra-se no subconsciente e nos artifícios que dele podem ser originados.

E se o fluxo desse estilo de criação fosse tão intenso ao ponto de criar uma lógica própria, descaracterizada de um senso comum e inimiga das normas da razão? Surge, então, a literatura nonsense

Repleta de características ímpares e pouco usuais, os escritos nonsense banham-se de uma própria linguagem: o constante uso de neologismos [criação de novas palavras ou atribuição de novos sentidos a palavras existentes], de palavras-valise [palavras novas originadas da junção de outras já existentes], alegorias e, especialmente, metáforas. 

O nonsense não somente ignora o aceitável e lógico e rejeita o senso comum; é um desafio constante aos parâmetros da lógica e da coerência e, acima de tudo, um afronte aos impostos limites da criação imaginária humana. 
Seria, então, o nonsense a ausência da lógica e da razão ou a presença de uma lógica não-linear, oculta nas entrelinhas e dotada de um fio condutor próprio e extra-autêntico?

O Surrelismo da Literatura

A literatura nonsense popularizou-se no século XIX, no Reino Unido, com dois grandes expoentes: Edward Lear (1812-1888), escritor de poemas, e Lewis Carroll (1832-1898), pseudônimo adotado por Charles Lutwidge Dodgson, famoso escritor inglês responsável pela autoria de “Alice no País das Maravilhas” (1865). 

O universo criado por Carroll em Alice nos País das Maravilhas exemplifica o estilo de criação nonsense em todos os âmbitos: na percepção de personagens, como o Chapeleiro Maluco, na ambientação dos cenários, como nas primeiras cenas da obra na toca do coelho, e no fluxo de consciência da protagonista, notado nos conselhos que recebe da Lagarta.

Carroll evoca uma percepção onírica que fascina qualquer leitor diante de um mundo repleto de uma lógica não-linear, de um humor desconexo e de situações que seriam comumente pouco críveis mas, na narrativa, assumem tons serenos. 

A Festa do Chá, ilustração feita por Lewis Carroll

Nesse sentido, o não-lógico abandona seu status de estagnado e subestimado e torna-se a oportunidade do novo. Esta percepção, possivelmente originada da literatura inglesa nonsense, reverbera suas características também no ramo artístico. 

O destaque ao subconsciente, a presença onírica, o abandono do senso comum, o uso de um fio condutor de sentido próprio e pouco convencional clama pelo Surrealismo

A estética surrealista transborda, em tese, a mesma essência do nonsense. Diferenciados por formas e métodos, ambos transformam em realidade algo que, na percepção comum, estaria fora de cogitação. O inimaginável diferencia-se do impossível; agora, toda criação que parta da imaginação tem lugar para sua existência. 

O Jogo Lúgubre, Salvador Dalí (1929)

Salvador Dalí, um dos maiores pintores do século XX e grande símbolo surrealista, concretiza em suas obras e na sua própria imagem que toda percepção é crível e possível. 

Seria o Chapeleiro Maluco capaz de pintar como um surrealista? Seria Dali um grande anfitrião em uma festa do chá com a Lebre de Março? Independentemente das circunstâncias, artistas surrealistas e escritores nonsense compartilham do mesmo espectro: a possibilidade de um criar ilimitado, irrestrito, extra-autêntico, dotado de uma lógica não-linear própria e, acima de tudo, diferenciando-se ao senso estético comum. 

Vale a pena conferir:

O artigo “O mestre do nonsense”, escrito por Marina Della Valle no blog Quatro Cinco Um, destaca nas obras de Lewis Caroll os elementos nonsense presentes, indicando suas possíveis origens e atribuições. O escrito, publicado em 2018, dedica-se a explorar esta forma de criação literária. 

O texto “O nonsense como crítica da lógica” de Mário Renato dos Santos, publicado em 2018 no site da Biblioteca Pública do Paraná, acrescenta à discussão as estratégias de Lewis Carroll e as versões anteriores que sucederam sua mais famosa obra, Alice no País das Maravilhas. 

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A ideia deste texto surgiu há um ano, durante uma aula de Literatura em que percebi as semelhanças entre a literatura nonsense e a arte surrealista. O desafio à lógica e ao senso comum que ambos estilos de criação imprimem é uma inspiração constante para todo tipo de criação humana. 

Atenciosamente,
Julia.

Uma cadeira entre os imortais

Publicado originalmente em 1979 pela Editora Record, a obra de Jorge Amado “Fardão, Fardão, Camisola de Dormir” teve sua primeira edição. Com a capa original feita por Jenner Augusto e ilustrações de Otávio Araújo, o livro foi traduzido em mais de 40 países. 

Membro da Academia Brasileira de Letras desde 6 de abril de 1961, eleito por unanimidade, Jorge Amado estava imerso em um universo restrito e conhecia, habilmente, os hábitos e as tradições da ABL. Em “Farda, Fardão, Camisola de Dormir”, o autor permite que os leitores desvendem alguns segredos desse universo à parte. A genialidade e sabedoria presentes em cada página desta obra rememoram os motivos de Jorge Amado ser um dos grandes nomes da Literatura Brasileira e Mundial.

A disputa pela imortalidade

Tão eterna quanto a literatura, são alguns imortais da Academia Brasileira de Letras. Sendo o ‘clube de homens mais fechado do mundo’, nas palavras de Austregésilo de Athayde, a ABL é formada por disputadíssimas 40 cadeiras, pertencentes aos intitulados imortais. 

O estopim da trama é desenrolado logo na primeira cena: morre o poeta Antônio Bruno, grande expoente da literatura brasileira e um dos 40 homens autorizados, por direito e tradição, a usar o fardão da Academia. Diante a tragédia, estava, então, aberta a vaga para a imortalidade. 

Ciente da exclusividade e do significado que a Academia Brasileira de Letras portava naquele contexto, o coronel Agnaldo Sampaio Pereira, avisado pelo desembargador Lissandro Leite, toma conhecimento a respeito de uma oportunidade única e formidável: a chance de ser o quadragésimo integrante da ABL. 

“Tome-se o exemplo do coronel Agnaldo Sampaio Pereira: tendo o poder das armas e da polícia, mandando e desmandando, senhor de cutelo e baraço diante de quem até os ministros tremem, não se sente plenamente realizado, falta-lhe a Academia. Ambição antiga, dos tempos dos primeiros (e renegados) versos, ilusão a acompanhá-lo vida afora.”

Farda, Fardão, Camisola de Dormir (pág. 31)

Cabe salientar que o ocorrido situa-se no ano de 1940, período do Estado Novo. Jorge Amado transporta os leitores, de maneira admirável, a reconstrução dos eventos históricos e a crítica por trás do ocorrido: a Academia, que representava, segundo o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), um lugar de subversivos, abria a oportunidade para um militar ser um de seus membros. 

Sendo um dos vorazes nomes do Estado Novo, o coronel Sampaio Pereira era adepto declarado do nazismo e declarava sua constante ‘guerra sem trégua contra os inimigos da pátria’. 

“Homem de ação, igualmente homem de pensamento com vasta obra de teórico a conquistar-lhe títulos e louvores no campo das letras: ‘um dos mais copiosos e atuantes escritores de sua geração, fecundo pensador político, ensaísta de voo pinacular’ e por aí afora. Seus livros faziam a apologia e a propaganda dos regimes fortes, analisavam a decadência e a podridão das democracias, denunciavam o monstruoso perigo comunista.”

Farda, Fardão, Camisola de Dormir (pág. 21)

Orientado pelo desembargador Lissandro Leite, já membro da ABL, o coronel Agnaldo Sampaio acreditava que, sendo candidato único, sua vitória seria unânime e esplendorosa. Entretanto, o desembargador não esclareceu ao militar os ânimos da Academia quanto a sua candidatura. 

Considerando um ultraje à memória de Bruno, os demais imortais repudiavam a possibilidade de eleição de Sampaio Pereira. Entretanto, em tempos de Estado Novo, quem teria coragem de ser oposição declarada? 

Jorge Amado, neste ponto, nos apresenta a dupla formidável Afrânio Portela e Evandro Nunes dos Santos, os líderes da brigada. Recusando-se a entregar a eleição ao coronel, mestre Evandro e mestre Afrânio começam a tecer o lado da oposição. De forma sútil, estratégica e bem pensada, ambos desenham uma nova possibilidade para a votação. 

O candidato alternativo não poderia ser um civil (quem, em sã consciência, ousaria enfrentar um militar da ativa?). A opção restante era lógica: somente recorrendo a hierarquia militar para conseguir derrubar o coronel. 

Lembrado por Rodrigo Inácio Filho, o General Waldomiro Moreira tinha o perfil necessário: era declaradamente antinazista, pró-aliados da Segunda Guerra, sem compromissos com o Estado Novo e disposto a enfrentar Sampaio Pereira. 

Um jogo desenha-se em torno da votação: o coronel Agnaldo Sampaio Pereira, apoiado pelo fiel desembargador Lissandro Leite, que o prometeu a eleição, contra seu oponente, general Moreira, indicado pelos mestres Evandro e Afrânio.

A seriedade e a tensão deste momento desencadearam uma verdadeira batalha entre os imortais e aqueles que desejavam poder usar tal título junto ao fardão.  Os candidatos tinham a missão de convencer os 39 acadêmicos vivos de que eram merecedores de seus votos. 

Tamanho brilhantismo na descrição e perspicácia da construção dos cenários e personagens, Jorge Amado ergue o desejo pela imortalidade a um nível estratégico presente no limiar da presença humana e do complexo de Deus. 

Deliciosas passagens que levam o leitor envolto no deleite da perspicácia do autor. Dotado de humor crítico, a votação torna-se um verdadeiro jogo político desenhado e composto por personagens do enredo principal e secundário. Cada um é capaz de redefinir os rumos da eleição em favor de seu candidato. 

Lembrem-se: nas palavras de Lissandro, o voto de Pérsio Menezes vale por cinco. 

Apesar de não estarem no cerne da votação, que era restrita aos membros da ABL, as personagens femininas desempenham um papel primordial no enredo. Um destaque ao brilho de Maria João, atriz e um dos ex-amores do poeta Bruno, ovacionada dentro e fora dos palcos e responsável por ajudar os mestres Afrânio e Evandro a conseguir preciosos votos. A querida Pru, filha mais nova do desembargador Lissandro, encarna as vontades da juventude militante de outrora. Contrariando seu nome de batismo, Prudência não estava entre suas qualidades. 

As personagens apresentadas na obra moldam os entraves de todas as cenas. Dotadas de personalidades bem construídas e ressaltadas, tais personagens mostram seu entendimento e seu engajamento político. Jorge Amado, assim, ressalta o protagonismo feminino. 

A disputa pela cadeira de Bruno tem um final inesperado, o que comprova, novamente, a sagacidade de Jorge Amado em tecer enredos intrigantes e envolventes até as últimas páginas de sua obra. 

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Republicado a partir de 2009 pela Editora Companhia das Letras, a nova edição de “Farda, Fardão, Camisola de Dormir” conta com uma nova capa e um posfácio escrito por Alberto da Costa e Silva. 

O livro é capaz de reacender o interesse pela rica e deslumbrante Literatura Brasileira, contando com passagens que transbordam ironia, sarcasmo e diversão, sem perder jamais o tom crítico e analítico.  O autor escreve com tamanha maestria que encanta os leitores a cada palavra e, simultaneamente, consegue valorizar a pluralidade da língua portuguesa. 

Mestre em descrever cenários e construir personagens, Jorge Amado é um dos maiores nomes literários que temos na História. 

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Fotografia: Julia Santos Neves

Postagem original feita no Instagram 

Para estrear a coluna de Literatura do blog, queria trazer uma obra brasileira. Sendo assim, nada melhor do que Jorge Amado para esse início. “Farda, Fardão, Camisola de Dormir” é um dos mais belos livros que já li.

animadamente, 
Julia.

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