O Pintor Alemão e a Guerra
Wilhelm Heinrich Otto Dix (1891-1969) foi um pintor expressionista alemão do século XX que expôs, em suas 129 obras produzidas, as barbáries da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Grande Guerra. Sua trajetória na arte é diretamente correlacionada com suas experiências pessoais: o artista empenha-se em denunciar os horrores que presenciou nos campos de batalha.
Nascido em Gena – Unterm Haus, na Alemanha, Otto Dix voluntariou-se no exército aos 24 anos, atuando em combate como artilheiro, graças a sua rápida ascensão no meio militar. Entretanto, em 1918, diante da derrota alemã, foi dispensado do exército em dezembro daquele ano.
O impacto da guerra não foi exclusivo no âmbito político: a Alemanha adentra em um contexto sócio-político que geraria assombrosas consequências nas próximas décadas. Entre os desdobramentos do pós-guerra, os profundos danos psicológicos causados em soldados e civis merecem menção.
Frente à dor, ao desespero, à perda e às devastações causadas pela guerra, Otto Dix transforma o trauma sofrido em uma arte testemunho com traços expressionistas que denuncia e expõe as barbáries dos campos de batalha e os cruéis efeitos oriundos dela.
O Expressionismo Alemão
O Expressionismo foi uma das correntes vanguardistas do início do século XX que rompia com a concepção artística predominante, liderada pelo figurativismo, e introduzia um contraponto de estética e de concepção, uma arte abstrata assegurada por uma realidade distorcida e uma crítica sociopolítica.
Enquanto a arte figurativa apresenta uma concepção de representação artística indiscutivelmente ligada à realidade, o abstracionismo apresenta uma alternativa ao usar contrastes, ângulos e formas abruptas. O Expressionismo Alemão, em específico, ganha enorme destaque nas primeiras décadas do século XX, especialmente no contexto pós-guerra.
A Arte “Degenerada”
Na Alemanha, com a chegada de Adolf Hitler ao poder, inúmeras expressões artísticas públicas – manifestações, peças, filmes e exposições de arte – foram classificadas como “impuras” ou “enfermas”. A arte moderna, predominantemente expressionista, já nos primórdios da década de 30, era definida por termos como “degenerado” e“bolchevique”.
Em 19 de julho de 1937, em Munique, uma exposição foi organizada – sob ordem do führer – com o objetivo de elencar quais artes seriam inaceitáveis para as concepções estéticas do III Reich. Em outras palavras, quais artes representavam as “difamações anti-alemãs”. Foram reunidas 650 obras de arte que incluíam gravuras, esculturas, pinturas e livros – todos retirados de coleções de 32 museus públicos alemães.
Ficava claro que tipo de estética e manifestação artística estava sob vigilância.
Duas obras de Otto Dix foram selecionadas para exposição: Schützengraben (“A Trincheira”) de 1924 e Kriegskrüppel (“Aleijados na Guerra”) de 1920.
Kriegskrüppel (“Aleijados de Guerra”), 1920. Reprodução: The Museum of Modern Art (MoMA)
Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade)
O movimento Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade) foi uma inclinação artística de intensa influência entre as décadas de 20 e 30, na Alemanha, que apresentava uma tendência figurativa derivada da arte expressionista. Dotada de um forte acento realista, os artistas deste movimento compartilhavam em suas obras um tom comum de denúncia e sátira moral, associada à crítica mordaz à sociedade burguesa e à guerra.
Apesar do movimento ter sido fundado por Otto Dix e George Grosz (1893-1959) foi Gustav Hartlaub (1884-1963) – crítico, curador e historiador da arte -, em 1924, que o nomeou.
A Nova Objetividade encerrou suas produções em 1933 quando o território alemão encarou a ascensão do Terceiro Reich e do Nazismo. Sua efêmera existência está associada ao seu comprometimento com um estilo de arte político de denúncia e de ferrenha crítica social.
Otto Dix pintando. Foto: Ullstein Bild, acervo iconográfico alemão.
Coleção Die Krieg
Entre os anos de 1810-1815, o pintor espanhol Francisco de Goya produziu um conjunto de 82 estampas artísticas que denunciavam o horror da guerra e suas fatais consequências. Essa coleção, intitulada Los Desastres de la Guerra (“Os Desastres da Guerra”) foi uma inspiração direta para Otto Dix. Contudo, o pintor alemão contava com um acréscimo inestimável: diferentemente de Goya, Dix presenciou e vivenciou as barbáries da guerra.
Apenas em 1924, Otto Dix sentiu-se maduro para produzir uma série de 50 gravuras que, totalizadas, formariam sua obra Die Krieg (“A Guerra”). Tal coleção está disponibilizada pelo acervo digital do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA – The Museum of Modern Art)
Sturmtruppe geht unter Gas vor (“Tropas de Choque com máscara de gás”). Coleção Die Krieg, 1924. Reprodução: Museu de Arte Moderna, MoMA.
Zerfallender Kampfgraben (“Trincheira desintegrada”). Coleção Die Krieg, 1924. Reprodução: Museu de Arte Moderna, MoMA.
“Eu tenho muita experiência em relação a quem, ao meu lado, repentinamente cai morto abatido por uma bala certeira. Eu tenho experiência direta disso. E eu quis isso. Naquela época eu não era um pacifista – ou era? Talvez eu fosse uma pessoa inquisitiva, curiosa. Eu vi tudo aquilo pessoalmente. Sou uma espécie de realista, você sabe, que viu tudo ao redor com meus próprios olhos e posso confirmar que isto (a tela com uma cena de guerra) é exatamente assim. Tenho muita experiência de toda essa palidez, o abismo profundo da vida para mim mesmo…”
Otto Dix.
Otto Dix com suas obras expressionistas confeccionou uma arte de denúncia que expõe, sem restrições, remorsos ou ponderações, a crueldade dos campos de batalha. A verdade – nua e crua – das consequências de uma guerra eram vistas em toda Europa; Otto Dix apresentou esta realidade a todo o mundo.
Seu trauma era seu testemunho; a Grande Guerra, sua inspiração.
A realidade reverbera em suas pinturas, rememorando o espectador sobre as atitudes mais sórdidas, cruéis e inimagináveis que a humanidade já tomou nos tempos mais sombrios, duvidosos e temerosos que já viveu.
Seu posicionamento antibélico é um protesto frente aos eventos que viveu e presenciou.
Otto Dix grita a denúncia pela Arte.
Vale a pena conferir:
O Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) não somente disponibiliza a coleção Die Krieg (“A Guerra”) de 1924, como também inúmeras obras de Otto Dix em seu acervo digital.
A Enciclopédia Itaú Cultural disponibiliza um pequeno artigo de referência ao movimento Neue Sachlichkeit (“Nova Objetividade”) destacando as contribuições de seus artistas membros e a descrição do conteúdo de suas obras.
O site Terra publicou o post “Otto Dix e a miséria da guerra”, escrito por Voltaire Schilling, que explora a trajetória artística do pintor expressionista alemão, destacando suas técnicas e influências. A publicação também acrescenta o contexto de produção das obras de Dix em um Alemanha nazista.
O portal Catálogo das Arte publicou uma breve biografia online de Otto Dix, destacando eventos pessoais que influenciaram sua carreira artística (desde seus estudos em Dresden a sua participação na Grande Guerra).
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A produção artística de Otto Dix é um exemplo da conexão indissociável entre arte e política. Suas obras não somente denunciam os horrores da guerra como também criticam a sociedade que ignora seus traumas. O pintor alemão transforma a tragédia em posicionamento político antibélico e pacifista.
Atenciosamente,
Julia.
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