Trazer o Desassossego como tema para um escrito pode parecer a tentativa de invasão um espaço pessoal, individual e particular. A descrição que a gramática nos proporciona nos dicionários para esta palavra parece não ser o suficiente; cada um de nós agrega um significado próprio. 

Em uma esfera mais profunda do subconsciente, há um desarranjo de sentimentos em relação ao Desassossego. A palavra, quando raciocinada, causa inquietação. A mente, desconcertada, encara o Desassossego como um segredo a ser sussurrado entre outros pensamentos – evitando, a todo custo e esforço, que esta sensação perdure.

Este movimento pode passar despercebido para quem estiver desatento; todavia, uma mente questionadora não deixaria esta lacuna em branco. Por que a descrição sobre o Desassossego é insuficiente e há tanto a ser dito? Qual é a causa do desconforto se pensado sobre ele? O devaneio de hoje ocupa-se em guiar os leitores para que possam responder à sua maneira tais questões e muitas outras. 

A Natureza Humana, incerta e mutável, torna-se o centro das atenções quando o comportamento humano está em cena. Não cabe aqui, neste momento, tentar enquadrá-la em poucos adjetivos ou convicções. Tomaremos, pois, apenas um aspecto a ser discutido e pensado: a inquietude que permeia o ser humano. 

Em todas as suas possíveis extensões, físicas e – especialmente – mentais, o indivíduo, mesmo acomodado, demonstra insatisfação com a própria inércia. Pegando como exemplo o âmbito mental, os pensamentos realinham-se em nanosegundos; o cérebro, mesmo enquanto dormimos, jamais interrompe suas funções. A agitação está  presente a cada tomada de consciência e ao despertar da inconsciência. 

A partir do momento em que o ser humano começa a questionar sua própria existência e tudo o que está a sua volta – ou em sua mente, assumimos um estado de tormento e dúvida constante. Nestes momentos, dificilmente encontramos a sensação de equilíbrio, satisfação ou calmaria; notamos que mente e coração não encontram-se em harmonia, a velocidade do pensar não acompanha a velocidade do sentir e vice-versa. A todo instante, há algo de errado; um alerta de que nada encontra-se nos eixos. 

Neste ponto, chegamos à nossa primeira tentativa de compreender o que seria o Desassossego: um estado de alerta que ocasiona uma incessante inquietação na alma e no coração de cada um de nós. 

Fernando Pessoa, com primor e excelência, escreveu o “Livro do Desassossego” onde argumentou, com talento e perspicácia: 

“Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende.”

Livro do desassossego, Fernando Pessoa.

Torna-se uma busca incessante, pelo o que eu não saberia dizer ao certo e penso que ninguém jamais descobriu. Talvez seja da chamada Natureza o impulso de não permanecer na inércia; talvez seja a necessidade impreterível de continuar – o perigo de permanecer estático é arriscado e algo que não deseja ser encarado. 

Esta reflexão ousa ir mais longe e considerar que nada está bom ou minimamente satisfatório em qualquer momento ou qualquer realização. Não sabemos dizer o que há de errado por achar que nada acaba sendo o suficiente. A inquietação abre espaço com condecorações ao desespero. E este, por sua vez, acaba dominando o pouco de controle que o ser humano ainda tinha. 

Pela inquietação, a busca era incessante. Pelo desespero, a busca torna-se insustentável e degradante. 

A procura pela mudança, em um primeiro instante, pode parecer uma iniciativa positiva, estimulante e até cativante. Contudo, não estamos à deriva deste tipo de mudança. A angústia pelo desejo de que a vida não seja estática origina uma procura incessante e desgastante na mesma proporção.

Procuramos, então, neste ponto da reflexão, a origem de tal necessidade. Anteriormente, já afirmei que não tenho resposta para nada, mas perguntas para tudo; e aqui está a próxima questão: essa necessidade desgastante é realmente sua? A infelicidade e a falta de contentamento consigo mesmo foi uma conclusão que chegou por conta própria ou por que algum fator externo sobressaiu-se diante de qualquer autopreservação que ainda lhe restava? 

O embate fica travado entre dois panoramas existenciais que desgastam a existência de quem a eles fica submetido: uma mente autodestrutiva que não contenta-se com nada e uma presença maquiavélica externa repleta de exigências, padrões e demandas. É, justamente, a parte externa que acaba sendo agravada e incomensurável ao percebermos que não estamos falando apenas do ciclo social em que estamos envolvidos; consideramos também o ambiente virtual. 

A necessidade pela busca que a pouco mencionamos encontra na Internet o que aparenta ser uma possibilidade divina: a barra de pesquisa do Google como a fonte miraculosa de soluções para qualquer problema. 

Entretanto, as soluções não são resolutas ou eficazes. Os milagres ofertados como respostas não são reais, mas proporcionam uma crença imutável de que são. E que, mesmo com a inconsistência apresentada, leva o indivíduo a acreditar que a solução está a apenas um clique. 

Não falamos aqui de perguntas técnicas e práticas que, de fato, podem ter soluções ofertadas pela barra de pesquisa. Estamos citando as situações em que as respostas criam uma pseudo realidade e oferecem a ilusão tentadora de que tais soluções poderiam ser genuínas. 

Observe por conta própria as perguntas que fazemos no Google, muitas vezes de forma automática. Há um aviso do subconsciente de que a resposta não trará ao mundo físico e real o que desejamos; mas a sede para acabar com essa inquietação e sancionar a angústia nos faz querer pesquisar. Porque queremos acreditar que a mudança – neste caso específico que apresentamos – será solucionada por apenas um clique. Temos, assim, a sensação de que saímos da temida inércia só pela iniciativa da pesquisa. 

As famigeradas thread tentam “ensinar” 5 passos para alcançar a fama ou para ter sucesso, despertando uma vontade endógena de ser reconhecido e de ter valor. A possibilidade de significar algo e de ser alguém encanta os olhos de todos que desejam acabar com o sentimento de inutilidade e inquietação. Vemos uma oportunidade para ter paz interior. 

Artigos de blog apresentam as “Profissões do Futuro” onde desesperadamente esperamos estar incluídos ou encontrar potencial próprio na lista apresentada. Enxergamos cada uma das profissões listadas como uma garantia de que no futuro incerto teremos a estabilidade que ensandecidamente buscamos no presente. Queremos encontrar a todo custo uma base, algo sólido, alguma coisa que nos dê sustentação e cesse a angústia que nos consome no presente (e parte da que nos consumiu no passado). 

Testes de personalidade dão a impressão de que fazemos parte de um grupo, parte de algo. É reconfortante imaginar que a mesma angústia, os mesmos traços são compartilhados com mais pessoas. Não estamos sozinhos ou isolados – porque o ser humano entra na própria desgraça ao se imaginar em um passado, presente ou futuro solitários. 

Há uma possibilidade, absurdamente pequena e relutante, de que alguém com discernimento, boa interpretação, alta capacidade de aplicação e muita sorte possa encontrar o que precisava no meio destas perguntas. Quem sabe, alguém – de fato – encontre seu próprio milagre que não seja uma ilusão alentadora. 

Apesar de querer acreditar (e torcer) para que este fosse o caso da grande maioria, a probabilidade não é compatível com o esperado. Estamos no lado que terá que trabalhar de outra maneira para achar suas próprias respostas

Talvez o problema também seja o fato de que não estamos preparados para lidar com nós mesmos. O autoconhecimento nos apavora, já que preferimos ocultar, esquecer e negar as partes que somos. Por isso, respostas genéricas têm efeito manada; justamente porque são genéricas – referem-se a ninguém e a todo mundo contraditoriamente, tendo seu efeito multiplicado no meio virtual. 

Olhando para a “for you” ou para o “feed” tentamos encontrar algo que não está lá e jamais estará. Aqui, fica óbvio que a busca será incessante porque estamos atrás de um conforto que nunca existirá se não começarmos a nos entender por conta, vontade e iniciativa própria. 

Atente-se: a comparação dilacera o espírito de quem está tentando se encontrar. 

Acelera um processo em que não cabe a medida da velocidade; as questões e os parâmetros deveriam ser outros. Trocar os padrões alheios pelo autoconhecimento; privilegiar a paz de espírito e não satisfação da provação alheira. Contentar-se por ser o suficiente e  não por conseguir atingir o que era esperado de você.

Apresento a hipótese de que parte do Desassossego que carregamos não nos pertence de fato. Um compilado de pressões externas, coisas que não deveriam ter sido ditas mas infelizmente foram escutadas e absorvidas. O subconsciente trabalha contra nós nos casos que memorizou o que deveria ter sido desprezado e agora está ocupando espaço nas paredes da mente – um espaço que talvez estivesse destinado a outras memórias; aquelas que, de fato, deveríamos carregar. 

Graças às memórias desprezíveis,  o conforto não é encontrado, tampouco a paz. O espírito que já é agitado por natureza própria acaba tornando-se frenético – um ritmo acelerado e descompassado que mal pode ser chamado de ritmo. Um caminho propício para acomodar os demônios internos que cativamos. 

Por esta razão, ficar parado não é uma opção. Não engane-se ao ler isso de forma otimista, este aspecto talvez seja o último da lista. Não podemos sucumbir à inércia porque o perigo é jamais voltar de lá. O lado tenebroso no Desassossego é deixar que o estado de angústia provocado por ele nos consuma constante e impiedosamente. 

Ser consumido pelo nada por pensar que ele pode significar e dominar tudo. 

Tudo o que não nos atormentava mais e tudo o que restou do doloroso processo. O medo de perceber que a paz de espírito não é plena e demonstra indícios que jamais será. Entretanto, tudo isto em nenhuma hipótese será motivo para sucumbir totalmente. 

Tenhamos todos um pouco mais de confiança no processo e em nós mesmos. Não posso oferecer a garantia de que um dia o desassossego desaparecerá; todavia, enxergá-lo com uma parte válida e essencial da vida é um caminho. 

O autoconhecimento será o responsável para que possamos encontrar o equilíbrio novamente. Conhecer e estabelecer os próprios limites, entender o porquê pensamos determinadas coisas e a que decisões chegamos são passos que demorarão mas nos guiarão para liberdade de ser. 

O processo é conturbado e demanda tempo; entretanto, o alívio de poder entender-se, de controlar as expectativas e o tempo é, certamente, um bom incentivo. E, se vale de consolo, estarmos respirando já é um sinal que saímos da inércia. Controlar parte do desespero é preciso para enxergar além do que vimos sufocados. 

Deixe a Angústia e o Desespero partirem em uma viagem sem volta. Apesar do Desassossego não poder juntar-se a eles, considere-o agora um amigo de longa data de quem passou a apreciar a companhia, eventualmente.

E a Paz no final disto tudo? Esta ficou entretida com suas parceiras Calmaria e Equilíbrio. Espero que todos nós sejamos capazes de um dia, quem sabe, ser convidados para tomar um chá ou café entre este seleto grupo. 

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Que de alguma forma este texto possa ter quebrado ou, ao menos, minimizado a frequência de desassossego de alguém que o leu! Agradeço pela leitura. Até breve!

Solenemente, 
Julia.